SUB-POP

We’re plastic
but we still have fun


Lady Gaga
Desliga o motor, deixa só os faróis.
Quietos, à beira de um descampado
respiramos pela boca debaixo
de um silêncio de chuva
e vê-se
o escuro afrouxar alguns nós, sombras
encarnando lentamente
como numa pintura. Corvos, parecia,
debicando uns frutos caídos
que não conhecemos nem vimos antes.

O vinho verde deu para tudo, o ritmo
fez o que quis de nós. Agora
a fúria que nos divertiu corrige-se
com a manhã até uma pequena náusea
de boca entreaberta e seca. Divide-se
entre todos uma difusa sensação
da noite, do fim, e a luz molhada
dos últimos candeeiros sai vencida
por um tumulto natural.
Assobia-se nas ruas, há entre elas
um vento retido que leva o eco
de canções já sem ninguém,
arrastos comovidos com quase nada.

Dos domingos, quando ainda damos
por eles, fica só um registo junto
à pulsação. O sol levanta-se a custo
e leva alguns a casa, de resto
não quer saber que porra fizemos
na sua ausência.

Largam-me em casa e ponho-me
à janela a comer cereais, e vejo-os dali,
abrigados sob um telheiro,
uns pássaros em filinha e trrrcht, um
e outro logo, fodidos de chumbo –
o impacto, caramba, que delícia!
Mesmo por mal, uns putos num quinto
andar com uma pressão de ar, o riso
e os disparos, cá em baixo aquele
estrago todo. Pequenos gestos assim,
destrutivos, abrindo a maldade
como uma flor, babando-se de luz
e lambendo os lábios. Lembra-me

que o que morre
nasce para uma certa beleza.
Penso calçar-me, meter o casaco
sobre o pijama, ir à varanda e
fazer umas chamadas, fundar um partido,
ver no calendário se ainda demora
o inverno e planear a invasão
de uma Polónia, a ocupação de alguma
França, mas pelas duas da tarde
caminho aos ziguezagues até à cama
e adormeço simplesmente.



Nervo (Averno 037)